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Polí­ticas Farmacêuticas: a Serviçodos Interesses da Saúde?

By José Augusto Cabral Barros
2004

O Programa de genéricos brasileiro


No bojo da proposta da nova política de medicamentos, formulada em 1998 (Ministério da Saúde, 1998), assumiu destaque a questão dos medicamentos genéricos e das vantagens potenciais de sua utilização, seja privilegiando o ‘nome genérico’ nas receitas médicas, seja nas embalagens,
apontando, igualmente, a necessidade de normalizar procedimentos para registro de ‘produtos genéricos’ e outros requisitos para a efetivação de um programa de genéricos, o que veio a ser concretizado em outro diploma legal (Decreto-Lei nº 9.787, de 10/2/1999).

No que diz respeito à aposição do nome do princípio ativo nas embalagens dos produtos de marca, o tema é retomado na nova legislação que institucionaliza um programa de genérico no País (Governo Federal, 1999). Uma primeira iniciativa nesse sentido (Ministério da Saúde, 1993)
não chegou a ser posta em prática, por reação dos fabricantes que incluiu demandas judiciais. A propósito da reação dos produtores, vale mencionar o fato de que o nome de fantasia serve de instrumento mercadológico de grande importância, ao tentar realçar supostas qualidades em comparação com um produto concorrente.

A problemática envolvida na questão de ‘medicamentos genéricos’, contudo, extrapola a dimensão da nomenclatura, tendo, sobretudo, relação com a redução do preço final.94 Uma vez estabelecida, a competição dos genéricos tem conduzido a uma ampliação crescente de fatias do mercado,
conforme se observa em diferentes países. Vencida a vigência da patente, autorizam-se as cópias, alcançando-se redução de preço devido à dispensa dos ensaios pré-clínicos e clínicos, o que provoca, igualmente, a aprovação em tempo mais curto pelas agências reguladoras.

Segundo matéria publicada no Valor Econômico, os medicamentos genéricos passaram ao largo da retração do setor farmacêutico global observada, no Brasil, em 2000. Em unidades, a venda do segmento deu um salto de 614,3% entre 1999 e 2000, enquanto o setor farmacêutico como um todo havia sofrido uma queda de 3,14%. A receita auferida com as vendas dos genéricos cresceu 398,9%, saltando dos 25,4 milhões de dólares, em 2000, para 126,7 milhões de dólares, em 2001; para 2002, as estimativas eram de

94 O nome genérico é uma denominação que identifica a substância ativa e pode sofrer algum grau de variação conforme cada país. O parâmetro fundamental, no entanto, está estabelecido desde 1954, pela OMS. Trata-se do International Nonproprietary Names for Pharmaceutical Substances (INN), entre nós conhecido como Denominação Comum Internacional (DCI). No caso brasileiro, portaria do Ministério da Saúde (Portaria nº 1.179, de 17/6/1996) define as Denominações Comuns Brasileiras (DCB). Desde 1983, é obrigatória a inclusão da denominação genérica, em conformidade com a DCB, na rotulagem dos medicamentos, juntamente com o nome de marca. Mais ecentemente, o Decreto nº 3.181, de 23/12/00, exige que o nome do princípio ativo seja explicitado com destaque em todos os produtos existentes no mercado.

um faturamento de 300 milhões de dólares, mesmo, assim, não passando dos 3% do total das vendas, o que terminou sendo superado, chegando quase ao dobro, conforme dados da Anvisa, explicitados nos Gráficos 10 e 11 (Capela, 2002).

Por outro lado, não pairam dúvidas que a utilização dos nomes genéricos no receituário facilitará o trabalho dos prescritores na medida em que esses profissionais estarão desobrigados de memorizar uma infinidade de nomes de fantasia, inúmeros deles, aliás, com composição similar (Barros, 1996). O privilegiamento da denominação genérica, acarreta, entre outras vantagens:

• facilidade para a identificação do fármaco, respaldando o desenvolvimento da farmacovigilância;
• cerceamento da confusão resultante da proliferação dos nomes de marca;
• redução dos riscos da polimedicamentação;
• diminuição da pressão comercial, por parte das empresas farmacêuticas, sobre os médicos na tentativa de induzi-los a preferir seus produtos; e
• uniformização do intercâmbio científico.

A polêmica acerba, ocorrida quando do início efetivo do programa de genéricos em 2000, explica-se pelos interesses dos grandes laboratórios (fundamentalmente, transacionais) fabricantes dos produtos com nomes de fantasia. Ao realçar eventuais problemas de qualidade nos ‘genéricos’, na
verdade se pretendia prevenir ou frear, até onde possível, uma competição.
Quanto à qualidade, velar pela mesma, em forma permanente, é tarefa que se espera venha a ser desempenhada pela autoridade sanitária, com respeito a todos os medicamentos, sejam eles ‘genéricos’ ou ‘produtos de marca’. Se essa qualidade estiver assegurada, princípios ativos idênticos, presentes, de fato, na composição de uns e outros produtos, gozarão de igual eficácia terapêutica, porque terão respeitadas a bioequivalência e a biodisponibilidade.

A disposição das autoridades sanitárias brasileiras de, por fim, após tergiversações e adiamentos, implementar programa de genéricos como parte de uma política mais ampla que contribua para o uso mais racional dos medicamentos no País, serviu para trazer à tona, os interesses em jogo. A
sórdida campanha contra os genéricos, feita no primeiro semestre de 1999 utilizando a mídia, por entidade que congrega os produtores de medicamentos – a Abifarma –, mormente as empresas multinacionais, representa a ponta do iceberg dos interesses mencionados. Vale, de saída, recordar que essas empresas, são hegemônicas em termos de repartição do mercado ou no controle das matérias-primas. Desfrutam, inegavelmente, de capacidade de pressão, para fazer valer seus interesses, de certo muitas vezes superior aos das empresas de capital nacional, todas elas, de todo modo, não importando a origem do capital, movidas por interesses que, ao terem por alvo preferencial a obtenção de lucros, os mais elevados possíveis, tratam o medicamento
como uma mercadoria como outra qualquer.

No biênio 1999/2000 a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Medicamentos, a campanha contra os genéricos e as questões suscitadas pela falsificação de produtos, vinda à tona em 1998, contribuíram para que o tema “medicamentos” viesse a ocupar a atenção e interesse da mídia e da
sociedade como um todo. Contribuiu adicionalmente para manutenção do mencionado interesse: o problema dos aumentos de preços perpetrados pelos produtores para além dos índices inflacionários e evidentes, mesmo que se lance mão de outros referenciais, a exemplo da taxa de elevação do dólar. Por outro lado, a questão dos genéricos e a oposição aos mesmos, já mencionada, ajudaram a realçar o conflito de interesses entre os produtores entre si,
bem como entre esses e os consumidores. Não há como duvidar dos ganhos que esses últimos poderiam desfrutar ante a indubitável diferença de preços quando esses são confrontados com seus equivalentes de marca. As evidências dos ganhos referidos, faziam-se sentir quando dos primeiros produtos genéricos lançados no mercado, caso, por exemplo da ranitidina, cuja
diferença para o seu principal concorrente de marca (Antak®) era de mais de 100% (R$ 10,71 versus R$ 24,70). Na média, a diferença observada com respeito aos primeiros genéricos comercializados chegava aos 40%.

Alegar a qualidade superior dos produtos de marca, não passa de um sofisma, na medida em que urge monitorar e impor regras com relação à qualidade e outros aspectos da produção, comercialização e distribuição dos medicamentos que hão de ser respeitados estritamente em todos os casos, tratem-se de produtos genéricos, similares ou de marca. Vale lembrar, a propósito, que, conforme já comentado, grandes fabricantes de produtos de marca, por vezes, nos seus países sede, os desenvolvidos, também fabricam ‘genéricos’, fenômeno explicável pelo interesse de ocupar espaços do mercado perdidos, na medida em que, com custo de produção reduzido e registro agilizado, os ‘genéricos’ oferecem preço final inferior. Além do mais, governos têm se deparado com a necessidade de reduzir gastos no item saúde, fazendo-os optar pelos ‘genéricos’, nos seus programas de assistência farmacêutica.

No caso brasileiro, sequer estamos realçando a diferença que medicamentos, tanto de marca, ou até mesmo o ‘genérico’, fabricados por laboratórios privados, apresentam em comparação a um princípio ativo idêntico fabricado por um laboratório estatal. Veja-se, a título de exemplo, o
caso do Meticorten®: um comprimido de 20 mg desse produto, custava, em 1994, R$ 0,47, tendo se ampliado, em 1999, para R$ 1,1 (incremento de 48,87%); ressalte-se, no entanto que, no Farmanguinhos, laboratório da Fundação Oswaldo Cruz do Ministério da Saúde, esse mesmo comprimido alcançava apenas R$ 0,05, o que significa uma diferença, a menor, da ordem
de, nada menos, 1.361%!!! Obviamente, além das margens de lucro praticadas por produtores, distribuidores e pela rede varejista, encarece o preço final dos medicamentos os gastos significativos com atividades publicitárias (Barros, 1995a; Barros, 1996; Barros, 2000).

O que está em jogo, no cerne das questões, seja da guerra dos ‘genéricos’, seja dos preços dos medicamentos, é a ânsia de lucros que, no capitalismo selvagem, como parece ser ainda aquele vigente no Brasil, não conta com a interferência efetiva de mecanismos reguladores de parte
do Estado, no caso muito mais débeis, quando existentes, bastando, para comprovar essa conclusão, comparar o que está se passando entre nós, com o que ocorre naqueles países em que há democracia institucionalizada e, como parte da mesma, uma organização mais ampla e atuante de parte dos consumidores ou da sociedade civil.

Tal como se deu em outros países, no caso brasileiro, os produtores de marca estão, cada vez mais, passando da fase de crítica e reação acerba aos ‘genéricos’, para uma co-existência pacífica com a indústria que os fabrica, quando não estão tomando iniciativas para ocupar fatias do mercado ante o caráter irreversível do programa de genéricos (três dos quatro maiores fabricantes
de genéricos do mundo, em 2002, já estavam presentes no mercado brasileiro: Teva, israelense, a número um do mundo; a suíça Novartis; e a terceira colocada e a alemã Ratiopharm, quarto maior grupo) (Capela, 2002). A redução do preço final de anti-retrovirais no Brasil foi deveras
significativa (da ordem de 79%), a partir da competição possível com a introdução dos genéricos (vide Gráfico 15).

O programa de genéricos tem passado por avanços nesse primeiro quadriênio de sua implementação, após considerável atraso para sua eclosão, em virtude da pressão do setor farmacêutico produtor de especialidades de marca, sobretudo, transnacional e que, ainda que minoritário em número, apropria-se da maior fatia no que se refere às vendas. O incremento da
demanda de registro na Anvisa e a evolução de autorizações concedidas no último biênio, podem ser detectadas no Gráfico 11; o comportamento das vendas, tanto em termos de unidades, quanto monetários (em dólares), no mesmo período, é apresentado nos Gráficos 12, 13 e 14. A média mensal de registro, que era de 17, em 2000, passou para 30, em 2002.

Gráfico 11 – Pedidos x concessão de registros de genéricos de set./00 a maio/02 – Valores acumulados

Fonte: Gerência Geral de Medicamentos Genéricos/Anvisa.

Gráfico 12 – Participação dos genéricos no mercado de medicamentos (em unidades)


Fonte: Gerência Geral de Medicamentos Genéricos/Anvisa.


Gráfico 13 – Participação dos genéricos no mercado de medicamentos (em dólar)

Fonte: Gerência Geral de Medicamentos Genéricos/Anvisa.

Gráfico 14 – Evolução do mercado de genéricos – vendas em dólar


Fonte: Gerência Geral de Medicamentos Genéricos/Anvisa.


Gráfico 15 – Descenso nos preços médios de anti-retrovirais no Brasil com a competição introduzida pelos genéricos, segundo Onusida


Fonte: ONUSIDA, 2001.

Até julho de 2004 haviam sido concedidos 1274 registros, sendo que 885 produtos estavão sendo comercializados e deles 1077 são de dispensação em farmácia. Estavam envolvidas na produção de genéricos 54 empresas farmacêuticas, lidando com 58 categorias terapêuticas, com um total de 1689 apresentações (dados disponíveis na página web da ANVISA).

A receptividade por parte dos prescritores e da população vem, progressivamente, aumentando. Estudo recente, feito em Recife, entrevistando 400 médicos vinculados ao sistema público de saúde, constatou que 35% afirmaram ter optado por ‘genéricos’ em sua última prescrição e quase
30% disseram que os prescreviam habitualmente, sendo, de todo modo, surpreendente o fato de que, quando indagados sobre a qualidade desses produtos, para quase 12% dos entrevistados a mesma era visualisada como sendo ‘inferior’, quando comparada com aquela dos produtos de marca.95


95 Dissertação de Mestrado, sob nossa orientaçao, realizada no Curso de Mestrado em Saúde Coletiva da UFPE; uma outra dissertaçao, teve como propósito verificar a aceitação dos ‘genéricos’, em amostra representativa da população do Recife. A maioria dos 400 entrevistados apresentou um bom grau de informação sobre os genéricos. Mesmo tendo sido feita referência ao efeito terapêutico e composição como sendo idênticos aos dos produtos de marca, foi dado realce ao menor preço como sendo o fator determinante para a opção pelo genérico no ato de compra.

A Anvisa, em novembro/dezembro de 2001, realizou pesquisa nacional de opinião pública com consumidores de medicamentos, tendo feito 2.220 entrevistas em 236 municípios. Setenta e um por cento dos entrevistados definiram ‘genérico’ como ‘medicamento mais em conta/preço reduzido/
mais barato’; 68% definiram como ‘medicamento com o mesmo princípio ativo de medicamento de referência’/‘mesmo efeito/substitui o original’. Dos 46% que eram portadores de receita médica no momento da compra, 80% tinham receita somente com medicamento de referência e, desses, 71%
compraram o produto de referência, 9% tinham receita somente com genérico e, desses, 84% o compraram.96 Dos 54% que não tinham receita, 74% compraram o de referência, 4% compraram um medicamento similar, 10% compraram o ‘genérico’ e 12% não compraram nenhum edicamento.97

Gráfico 16 – Vendas de medicamentos genéricos (em US$ milhoes) entre marzo de 2001 y marzo de 2004.

96 As razões alegadas para não adquirir o ‘genérico’ foram: para 44% porque o mesmo estava em falta, 23% estavam pesquisando preço (preço era o obstáculo), 10% foram convencidos a levar um similar e 7% compraram o receitado. Tão-somente 19% indagaram sobre os motivos da falta dos ‘genéricos’.

97 As razões alegadas para não adquirir o ‘genérico’ foram: 43% disseram que não existia o ‘genérico’ para substituir o medicamento, 21% esqueceram de procurar pelo ‘genérico’, 10% preferem o medicamento que já utilizam e, para 7%, o ‘genérico’ estava em falta na drogaria. Quanto à atitude quando o ‘genérico’ estava em falta, 21% questionaram o balconista pela falta do ‘genérico’, 18% perguntaram quando o ‘genérico’ estaria disponível, 10% foram encorajados a procurar outra drogaria e, para 18%, foi oferecido outro medicamento que não o receitado e que não era ‘genérico’.

 

 

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