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Polí­ticas Farmacêuticas: a Serviçodos Interesses da Saúde?

By José Augusto Cabral Barros
2004

A propaganda direta aos consumidores


Os objetivos da publicidade farmacêutica – atrair o máximo de compradores para o produto – ao dirigir-se a potenciais usuários que não estão dotados da capacidade crítica para discernir a correlação risco benefício, sobretudo devido à fragilidade oriunda da condição de enfermos, terminam por cumprir-se, a despeito do diferencial que haveria de estabelecer- se entre a propaganda de medicamentos e a de outros produtos. Afinal, além dos problemas apontados, estamos diante de um produto cuja ingestão pode acarretar malefícios em lugar de, ou concomitantes a eventuais benefícios. Certamente, a indústria farmacêutica não apenas vende produtos, mas, de forma crescente e significativa, “vende” informação sobre eles. Cada vez mais será verdadeira a suposição de que as empresas que contarem com canais digitais modernos de comunicação, em tempo real, gozarão de crescente domínio sobre os mercados globais e sobre o relacionamento com consumidores. É igualmente verdade que, de forma habitual, o alvo preferencial da publicidade farmacêutica tem sido – e, mui provavelmente, continuará sendo ao longo do tempo – o médico, responsável legal pela prescrição. É preocu- 13 Maiores detalhes das diretrizes propostas podem ser obtidas em www.gpp-guidelines.org pante, contudo, constatar a utilização crescente da Internet para disseminar propaganda para os consumidores, muitas delas assumindo uma forma menos explícita já que tentam dar a impressão de que são instrumentos educativos ou de informação, objetivando promover a saúde. Já em 1996, diversas empresas, a exemplo da Ciba, Lilly, Genetech, Hoeschst Marion Roussell e Pfizer criaram Home pages14. Às vezes são disseminados boletins eletrônicos que fornecem cobertura de conferências internacionais sobre doenças para as quais os patrocinadores dispõem de fármacos específicos. Informe recente, produzido pela Sociedad Española de Informatica de la Salud, explicita que metade das páginas web que brindam informações médicas não cumprem com as exigências mínimas esperadas, tais como identificação dos autores, clareza nas fontes utilizadas e a recomendação de que as decisões passem pelo crivo do profissional médico (Sandoval, 2002). Inquérito realizado pelo rede Health on the net (HON) evidenciou que 43% dos entrevistados afirmaram fazer uso da Internet em busca de uma segunda opinião sobre os diagnósticos; um percentual bem maior (81%) faz uso da rede para obter informação sobre fármacos e 13% os adquirem por essa via. Em relação aos médicos incluídos no estudo, quase 72% recomendavam páginas web aos seus pacientes e 85% deles utilizam essa fonte para informarse sobre fármacos. 9% dos profissionais referidos responderam que efetuavam compras de medicamentos através da Internet (Sandoval, 2002). Chama a atenção a inclusão de produtos que demandam prescrição médica nessa nova modalidade de propaganda. Nos anos 1980, tem início, nos Estados Unidos, a discussão sobre a pertinência da divulgação para o grande público de anúncios desses medicamentos. Entre os argumentos a favor estavam os seguintes: • há uma crescente demanda de informação por temas relacionadosà saúde; • a promoção, diretamente aos consumidores, a respeito de novas alternativas terapêuticas, serviria de estímulo para a busca de auxílio 14 No Apêndice reproduzimos a página Web inicial – Info Cardio - disponibilizada pelo laboratório Merck, no Brasil, em princípio, destinada a profissionais de saúde cadastrados. médico para doenças as quais, sem o uso desse recurso, ficariam sem tratamento; • esta é uma maneira pela qual pode-se dispor de consumidores melhor informados. Em inquérito realizado pela FDA, no qual foram entrevistados 1.200 adultos, a opinião majoritária foi a de que os anúncios contribuíam para o melhor cumprimento da prescrição e permitiam um melhor relacionamento com o médico (Anônimo, 1998c). Os gastos da indústria com a propaganda direta ao consumidor, nos EUA, chegaram a US$ 2.5 bilhões em 2000 (no ano anterior havia sido de US$ 1.8 bilhão), tendo mais da metade desse dispêndio se direcionado a anúncios veiculados pela televisão, devendo ser ressaltado que os produtos anunciados demandavam prescrição (os anúncios na TV sofreram um incremento de 27% de um ano para o outro). O Quadro 4 apresenta dados sobre alguns medicamentos objeto de publicidade nos EUA em 2000. Quadro 4 – Principais produtos objeto de publicidade direta nos EUA em 2000 Fonte: Scrip, 2001. Produto Gasto em publicidade (US$ milhões) Vendas (US$ milhões) Variação em relação a 1999 Vioxx‚ (rofecoxib) 160,8 1.518,0 + 360,7 Prilosec‚ (omeprazol) 107,5 4.102,2 +452,6 Clarytin‚ (loratadina) 99,7 2.035,4 + 263,9 Paxil‚ (paroxetina) 91,8 1.808,0 + 355,8 Zocor‚ (simvastatina) 91,2 2.207,0 + 401,0 Viagra‚ (sildenafil) 89,5 809,4 + 191,5 Celebrex‚ (celecoxib) 78,3 2.015,5 + 739,9 Flonase‚ (fluticasona) 73,5 618,7 + 109,1 Allegra‚ (fexofenadina) 67,0 1.120,4 + 382,3 As informações expostas no Quadro 4 são coincidentes com dados existentes para o ano de 2000 e mostram que, nos EUA, a publicidade concentrou 40% dos gastos sobre dez fármacos, especialmente sobre produtos novos, caros, de uso crônico e por grandes grupos populacionais (no caso, se destinavam a alergia, úlcera, ansiedade, obesidade, artrite, impotência e hipercolesterolemia) (Mintzes, 2002a). Os resultados objetivos do investimento são evidenciados pelo aumento das vendas observado, justamente, para os 50 medicamentos mais anunciados, responsáveis por 47.8% do incremento das vendas no varejo15 (Findley, 2001). Um outro estudo dá conta de que a propaganda de medicamentos que requerem prescrição, dirigida aos consumidores teve um incremento de 212% entre 1996 (quando representavam 9% do total gasto em atividades promocionais) e 2000 (passa a representar quase 16%). O Gráfico 3 oferece uma boa idéia da ascensão dos gastos em questão. Em todo caso, o dispêndio com a promoção de medicamentos sob prescrição, direcionada aos profissionais de saúde, persiste absorvendo mais de 80% dos gastos totais o que leva à conclusão de que as estratégias de mercadização orientadas para os consumidores, apesar do seu incremento, continuam tendo um caráter complementar, além de se concentrarem em uns poucos produtos, em geral, recentes ou que não sofram, ainda, a competição de genéricos (Rosenthal et al., 2002). Para estes autores, os prejuízos potenciais das mencionadas práticas seriam uma prescrição inadequada, induzida pelas demandas equivocadas dos pacientes e o desperdício de tempo dos médicos ao ter que explicar as razões pelas quais aquele produto determinado não seria o mais apropriado. 15 Grandes empresas elevaram seus gastos com propagandas para os consumidores, nos EUA a exemplo do Merck ou do Pfizer que gastaram mais que o dobro em 2000 em comparação a 1999. As empresas farmacêuticas patrocinaram 314 mil eventos “educativos” em 2000 (em 1999 haviam sido 280 mil e, em 1993, 70 mil) (Findlay, 2001). Gráfico 3 – Tendência dos gastos em propaganda direta-ao-consumidor/EUA, 1994 a 2000 Fonte: Rosenthal, 2002. Deficiências importantes têm sido documentadas quanto à propaganda de produtos não sujeitos à prescrição. Tal é o caso do apelo publicitário emitido em emissoras de rádio do Rio Grande do Sul, Brasil, em avaliação realizada por Heineck em relação a 250 propagandas veiculadas durante um trimestre e em que 39% ressaltavam a ausência de riscos, proclamando a inexistência de contra-indicações perpretando um verdadeiro bombardeio publicitário. Apresentam-se soluções mágicas, tal como conclui a autora, para problemas que, na verdade, são de natureza nutricional e/ou psicossocial, inerentes à sociedade atual, como é o caso das propagandas de produtos para emagrecer ou indicados para problemas estomacais ou para esgotamento físico e mental, além de existir omissão de informações quanto a cuidados a serem observados, reações adversas, contra-indicações, ferindo, frontalmente, legislação em vigor (Heineck, 1998). Avaliando 437 reportagens sobre medicamentos e saúde, publicadas em jornais e revistas brasileiros de grande circulação, entre 1970 e 2000, Cabral Nascimento (2003) realizou uma interpretação dos discursos, sentidos e representações nelas contidos. São identificadas três estratégias adotadas na consecução do bem-estar e saúde, alcançáveis em agentes exteriores àqueles que sofrem: • de forma hegemônica, o discurso da mídia escrita afirma que a farmacologia, apoiada na biologia e na química, oferece métodos aptos a enfrentar as doenças e brindar saúde e bem-estar a todos aqueles que se dispuserem (e contarem com meios econômicos para tanto) a pagar por suas fórmulas; • a referência aos hábitos de vida ocupa, também, um lugar respeitável na mídia, sendo a manutenção da saúde e a cura associados à transformação de hábitos do dia a dia (indo de hábitos alimentares, de postura, atividade física, até relações familiares e no trabalho e respostas emocionais ante os percalços da vida); • em um lugar bastante secundário, surge nos discursos das reportagens analisadas a participação da estrutura socioeconômica e cultural (crise econômica e de valores, com o individualismo e consumismo, competição e exclusão social a ela inerentes, se encontrariam na raiz do sofrimento, isolamento, doenças e ruptura dos elos da solidariedade social). Inquérito realizado com 1872 telespectadores em relação a anúncios por eles visualizados, 70% afirmou que pouco ou nada tinham aprendido sobre o problema específico de saúde que demandava tratamento, enquanto que 59% acreditava que passaram a conhecer pouco ou nada a respeito do produto anunciado; um outro estudo constatou que, ao passo que muitos anúncios forneciam dados sobre o nome do produto e sobre os sintomas da doença para a qual se destinava, mui poucos tentavam informar o paciente sobre a taxa de êxito do tratamento, duração do mesmo ou sobre alternativas terapêuticas, incluindo mudanças comportamentais que poderiam contribuir para o usufruto de melhores níveis de saúde (apud Wolfe, 2002). Discrepando dos dados antes apontados, inquérito realizado, em 1999, concluiu que 90% das pessoas que consultavam webs médicas se consideravam capacitadas para manejar seus problemas de saúde16. 16 O inquérito foi realizado por American Demographics (apud Lama, 2000a). Um outro país em que está permitida a propaganda de medicamentos orientada, diretamente, para os consumidores, é Nova Zelândia (o tema foi objeto de consideração, igualmente, por Austrália e África do Sul, não tendo sido autorizada, nesses países). Resultado de inquérito realizado com médicos gerais, manifesta que mais de 3/4 dos 1611 profissionais, que responderam o questionário, informavam que os pacientes, freqüentemente demandavam produtos anunciados e que não eram os mais adequados para eles. 12% dos entrevistados opinaram que a propaganda direta poderia ser útil como instrumento educativo a respeito dos riscos e benefícios de fármacos sujeitos à prescrição. Essa opinião não é compartilhada por professores vinculados às quatro escolas médicas do país que, faz pouco, emitiram comunicado conjunto em que afirmam que o tipo de propaganda mencionada não oferece informação objetiva quanto aos riscos, benefícios ou alternativas que venham ajudar os pacientes a participar nas decisões relativas aos cuidados à saúde (Burton, 2003a). As expectativas de incremento de utilização da Internet, como alternativa para compra, não deixam de causar preocupação: estima-se que, no ano 2005, a venda de medicamentos e produtos relacionados aos cuidados pessoais chegará a 7% do mercado, na Europa, ou seja, nada menos que 4,7 milhões de euros (apud Lama, 2000a)17. Além da intensiva utilização da Internet, entre outras estratégias inovadoras de que vem lançando mão os produtores de medicamentos, 17 No Brasil, recentemente, a ANVISA, inseriu em sua página web, nota esclarecedora quanto à venda de produtos farmacêuticos pela Internet, alertando quanto aos seus riscos (a íntegra da matéria referida é reproduzida no Apêndice; neste último, reproduzimos, igualmente, exemplo de veiculação por correio eletrônico de acesso fácil e direto ao Viagra‚, produto que, necessariamente, deveria passar pelo crivo de um médico, antes de ser utilizado). Faz pouco, Resolução – RE nº 1.158, de 17 de julho de 2003 da ANVISA determinou como medida de interesse sanitário, a suspensão em território nacional da publicidade e/ou propaganda institucional, veiculada em todos os meios de comunicação de massa, dos Laboratórios Pfizer, Bayer e Eli Lilly do Brasil que de maneira direta ou indireta citem, exibam e/ou relacionem a imagem, logotipo, marca e/ou nome da empresa, ou dos produtos por ela registrados, a medicamentos ou tratamentos que façam menção à dificuldade de ereção e/ou ao desempenho sexual. O Viagra, primeiro produto para disfunção erétil, lançado há cinco anos, continua sendo o campeão de vendas, também no Brasil, frente aos seus concorrentes. As vendas que, em 1998 foram de 10 milhões de comprimidos, passaram para 46 milhões em 2000. Entretanto, a participação do mencionado produto, na repartição das vendas decaiu dos 92% em março de 2003, para 60%, em junho do ano referido. Entraram em cena os concorrentes Cialis‚ e Levitra‚, cuja participação, em junho de 2003, já alcançava, respectivamente, 24,6% e 9,1% (Herzog, 2003). Ressalte-se que, crescentemente, vêm sendo levantadas críticas à proclamada eficácia do sildenafil, tendo livro recente de autoria de Abraham Mogentaler, (The Viagra myth: The surprising impact on love and relatioships), professor da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, chamado a atenção para as eventuais pioras dos problemas sexuais e amorosos de casais que vivem crises mais complexas de relacionamento (Dias, 2003). inclusive para burlar eventuais controles, se incluem enlaces com grupos de pacientes portadores de determinadas doenças, linhas telefônicas exclusivas para oferecer informações ao público, artigos na imprensa leiga, etc. Ressaltese que o material preparado para grupos de pacientes prima pela qualidade, certamente impossível de ser coberta com recursos oriundos das próprias entidades. Para Gilbert & Chetley (1996), as organizações de pacientes se tornaram importantes como alvo da mercadização, na medida em que passaram a se constituir em um meio adicional de divulgação de lançamentos e de acesso direto aos pacientes, além de oferecerem respaldo aos fabricantes nas suas reivindicações com vistas à minimização dos controles vigentes quando da autorização de novos produtos ou por ocasião da fixação de preços. Concordamos com Wolfe (2002) quando afirma que a educação de médicos e pacientes é demasiado importante para que fique nas mãos da indústria farmacêutica com suas campanhas pseudocientíficas que têm mais que nada propósitos promocionais. A questão essencial, portanto, não é, propriamente, se os consumidores devem ou não receber informações sobre as alternativas de tratamento e sim, se a promoção dos medicamentos – cujo propósito fundamental é manter e ampliar as vendas – se constitui no meio adequado para brindar as informações de que carecem os consumidores. Os Centros de Informação sobre Medicamentos vêm representando uma estratégia valiosa para disponibilizar acesso a características dos produtos farmacêuticos, assim como cuidados e formas adequadas de uso, tanto para o público em geral, como para os profissionais de saúde. No Brasil, a rede de Centros dessa natureza tem se incrementado nos últimos anos, sendo, no momento, constituída por 22 Centros que constituem o Sistema Brasileiro de Informação sobre Medicamentos (SISMED), coordenado pelo CEBRIM (Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos), do Conselho Federal de Farmácia, criado em 1992 e que, desde então, com o apoio da OPAS (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE) , vem implementando o SISMED (a relação completa dos Centros, com os respectivos endereços e páginas na web, encontra-se no Apêndice).

 

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